Éticas: Helênicas (Epicurismo;Estoicismo;Cinismo)
- Rodrigo R de Carvalho
- 26 de fev.
- 7 min de leitura
Nas últimas duas aulas estamos investigando a ética como ciência da moral e como destinação da humanidade. Vimos como esse debate se inicia entre Sócrates se os Sofistas com o surgimento da ideia de Paideia ou educação humana e do conceito de alma como instância responsável pela decisão e arbítrio humano. Vimos também que ambos acreditavam no aperfeiçoamento humano, ainda que discordassem sobre a forma e objetivo deste aperfeiçoamento.
Os sofistas, impulsionados pelas características das democracias gregas que abriam espaço para a crítica dos costumes, das tradições e do conhecimento, acabaram por entender como virtude o desenvolvimento das habilidades de convencimento. Tal habilidade era ensinada nas disciplinas por eles ensinadas a retórica e a oratória, seu objetivo era preparar os indivíduos para se colocarem politicamente como cidadãos que participam das decisões que dão rumo a cidade.
Sócrates concordaria sobre a necessidade de se educar os cidadãos, no entanto, ele não acreditava que o conhecimento poderia ser passado e transmitido de uma pessoa para a outra, ele está em nós, apenas o autoconhecimento do “conhece-te a ti mesmo” pode garantir uma expansão do conhecimento, a dialética-dialógica é a ferramenta para depurar o raciocínio de erros e realizar a busca eterna do conhecimento. Como vimos, a virtude para Sócrates não era uma forma de poder - como foi o caso dos sofistas -, mas sim conhecimento. Deste modo, o conhecimento para Sócrates é condição necessária e suficiente para a virtude, jamais poderei fazer o bem sem saber o que é o bem, essa é a primeira conclusão do intelectualismo de Sócrates, a segunda, e a mais problemática, é que uma vez que eu saiba o que é o Bem jamais poderei fazer o mal, pois como seres racionais nenhum ser humano desejaria o mal, aqueles que fazer o mal o fazem por ignorância ou desconhecimento de que aquilo é um mal, fazem julgando ser um bem.
Veremos a seguir as correntes helênicas herdeiras das intuições e bases éticas de Sócrates, estes defenderam uma prática da virtude como busca da felicidade, seu principal problema é o que faz uma vida feliz. Sendo assim, o tema da felicidade reaparece como fim e tendo a virtude como meio de alcançá-la, a virtude, como Sócrates já havia sugerido, era a organização racional da vida.
Para entender o pensamento helênico precisamos contextualizar o que acontecia na Grécia no período. No século IV a.C ocorre a conquista Macedônica, com isso temos a formação de um grande império que terminou com a cultura do homem da pólis aquele que toma as decisões da cidade em praça pública. As cidades gregas passavam a compor um grande império sob do comando centralizado de um imperador. Com isso, a ética e a ideia de destinação humana sofrem grandes transformações.
Os elementos que compõe essa antropologia helenística são: individualismo e a busca por eudaimonía (felicidade). Três escolas tentaram responder a esta questão: o Epicurismo; o Estoicismo e o Cinismo. A três correntes de pensamento creditam que o homem deve se submeter a razão, ao logos para alcançar a felicidade, no entanto, o entendimento do que seria se submeter a razão é o que marcou a diferença entre elas.
Epicurismo: o indivíduo como centro e a ascese da distensão ou do repouso
O Epicurismo acreditava que a felicidade estava associada a busca do prazer e fuga da dor. Em lugar da virtude estoica temos o prazer hedonista dos epicuristas. A ataraxia seria a imperturbabilidade da alma, um estado de tranquilidade que lhe permitiria gozar dos prazeres da vida, uma fruição estável de prazer e uma libertação do sofrimento. A filosofia tinha como tarefa produzir a felicidade através de uma terapia da alma, um tipo de ascetismo.
Afastando-se do intelectualismo platônico-aristotélico Epicuro entendia o ser humano como um ser-que-sente, sendo assim, se colocava mais próximo do materialismo que defendia um conceito de alma como algo físico que desaparece com a morte do corpo, sendo assim, a saúde da alma e do corpo era buscada por meio da ataraxia. No entanto, a ideia de busca do prazer de Epicuro não se confunde com a concepção contemporânea de prazer (prazeres mereamente sensíveis), pois nesta filosofia temos a razão como guia ela espiritualiza através da inteligência, imaginação e memória os prazeres, sendo assim, o prazer ao qual se refere Epicuro tem a ver com a sabedoria, a serenidade e a ausência de temor, isto é, com a ausência de dor física, enfermidade do corpo e da alma, de perturbação mental ou emocional.
Os prazeres são divididos por Epicuro da seguinte maneira: naturais e necessários (conservação da vida) comer, beber e vestir; naturais não necessários (exageros de prazeres naturais) comer e beber abundantemente e vestir-se de maneira sofisticada e exagerada; não naturais (oriundos da sociedade) riqueza, fama, honrarias, poder. Os prazeres naturais e necessários já garantem a felicidade, pois os demais acabam por nos tornam dependentes de coisas externas que não controlamos.
Estoicismo: o cosmo como centro e a ascese da tensão ou da ação
No caso do Estoicismo o ponto chave da busca da felicidade se dá na obediência a natureza. Os estoicos acreditavam que a realidade tinha uma razão própria e imanente, uma força inteligível e racional que guiava tanto o cosmo quanto o ser hunano, o homem por sua vez fazia parte desta ordem e, sendo assim, deveria saber seu lugar e não se deixar afetar pela dor, pelo sofrimento ou mesmo pelo prazer.
A felicidade estoica não é pautada pela ataraxia ou tranquilidade, mas sim pela autárkeia, isto é, pelo estado de contentamento, a virtude não tende a um fim exterior, mas é um fim em si mesmo sendo desejável e perfeita. Para o estoico a ação, e não a contemplação, são o ápice da vida humana. O autodomínio era a chave para uma vida boa e feliz, assim a ética estoica seria uma ética da virtude que se diferencia ética clássica uma vez que essa razão é do homem na mesma medida que é também do mundo, isto os coloca em um tipo de naturalismo distinto do que vimos até aqui, pois o universo é um grande organismo vivo o qual o homem é somente mais um ser nele colocado, com efeito resta ao indivíduo sincronizar sua razão com a razão cósmica e isto é viver de acordo com sua natureza.
O sábio estoico é aquele que independente da fortuna, do destino ou de qualquer mazela que o atinja permanece independente e resignado entendendo que dor e sofrimento fazem parte do mundo. Importa menos o que acontece do que sua postura diante dos acontecimentos, importa menos os prazeres, sofrimentos, desejos, dores e paixões que a disciplina da razão que lhe faz suportar tudo isto heroicamente. Deste modo, apesar do ser humano não ser divino, ele se diviniza na medida em que se ajusta racionalmente ao cosmos, na medida em que personifica a razão agindo tendo ela como disposição interior. A perfeição e o Bem está a nosso alcance, basta que pela nossa vontade sejamos virtuosos. (Coragem, justiça, prudência, temperança) Por isto, para o estoicismo, somente há duas possibilidades, sem meio termo, virtude ou vício, sábios e perfeitos ou maus e insensatos.
As paixões e emoções são, para o estoicismo, deficiências de julgamento, analisadas segundo a razão da natureza percebemos que elas não são vantajosas. Diante delas devemos permanecer em estado de Apatheia, isto é, somente o que é racional pode adentrar sua alma. Fazendo isto o Sábio estoico é livre e bem-aventurado, não é inferior a ninguém, nem mesmo aos deuses, pois se divinizou através de sua conduta.
A grande contribuição do estoicismo a ética, segundo Maritain, é que ele foi quem reforçou a ideia da interioridade da virtude, de que o bem é um valor puro um valor moral e deve ser o fim supremo da ética. Reforça também a ideia de que o ser humano pode ser feliz e isto depende apenas de seu uso da razão e efetivação da virtude.
Outra contribuição importante foi a ideia de lei natural, para os Estoicos há dois tipos de justiça, a natural, inata da alma do ser humano e a legal, aquela construída e acordada entre os indivíduos: a natural tem sua origem na própria natureza do homem, no que ele de fato é; a legal tem origem na vontade e razão legisladora, nas leis e costumes. A lei natural determina que ele viva em sociedade, a justiça legal determina como essa vida social será organizada racionalmente. Podemos perceber que está é uma antecipação da coluna vertebral do liberalismo clássico de Locke, pois através do conceito de lei natural eles defendiam o reconhecimento da dignidade natural e inalienável de cada ser humano, garantindo inclusive resistência contra a justiça legal quando esta é injusta e vai contra a lei natural. Com efeito, defendiam que não existe seres humanos naturalmente escravos, que não há diferença entre os seres humanos, apenas aquela que os julga como sábios ou insensatos. “Da grande cidade do mundo deuses e homens são cidadãos, e essa cidade é regulada somente pela reta razão" (MARITAIN, 1973, p.81)
Cinismo: ascese radicalizada
Por último, o Cinismo é a corrente mais radical das três, pois prega o total desprezo por qualquer prazer e por todas as convenções sociais. Esta é um tipo de moral do impulso vital, que protesta contra qualquer tipo de convencionalismo. Antístenes, discípulo de Sócrates e um importante cínico, dizia: "Prefiro enlouquecer do que experimentar prazer" pois, acreditava que o prazer, em si mesmo, era um mal que escravizava o homem prendendo-o ao objeto de prazer.
O Cínico tem como objetivo uma vida simples em acordo com a natureza ou essência humana, isto significa, para eles, uma vida sem comodidades e convenções sociais, sem busca de fama, riquezas ou por quaisquer prazeres. Sendo assim, o objetivo é dominar os desejos e reduzir as necessidades ao mínimo. A mensagem cínica acaba por ser individualista, antissocial, antipolítica, anticultural e anticiência.
Rompendo o elo social e as convenções os cínicos acabam por rejeitar tudo que a vida social pode proporcionar, isto é, a política, a cultura, a cooperação na resolução de problemas a comunidade de maneira geral. Limitam-se também a reflexão à moral prática, com isso abandonam as pretensões de fazer ciência e de produzir conhecimento.
Como podemos perceber a vida boa e feliz é o tema dessas três éticas helenísticas, no entanto a resposta dada por cada uma delas difere radicalmente. Enquanto o epicurismo busca um tipo específico de prazer e vê nele a felicidade o estoicismo vê a felicidade ligada a resistência frente ao sofrimento, o contentamento é a chave, pois dor ou prazer não devem perturbar nosso estado de espírito. Por último, o cinismo é mais radical, quer se desfazer de todos os elementos de prazer demonizando os desejos e as convenções sociais. Quer abdicar de tudo para então ser plenamente livre.
VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia filosófica I. São Pualo. Loyola, 1991. MARITAIN Jacques. A filosofia moral .Rio de Janeiro. Agir, 1973.
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