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Realismo político de Maquiavel

Atualizado: 7 de abr. de 2024

Em três textos anteriores vimos o idealismo político da antiguidade e era medieval, agora uma guinada ocorre na disciplina da filosofia política, a saber a guinada realista. Vimos que em Platão a política tinha uma relação direta com a ética e esta, por sua vez, com o conhecimento, tendo isto em vista todo modelo platônico se estrutura num processo educativo que tem como objetivo produzir seres humanos excelentes em virtude e em conhecimento. Tanto seu modelo político, quanto as classes da sociedade acabam por se constituir através deste modelo educacional, bem como o ou os governantes, seja o rei-filósofo ou um conjunto de guardiões, o importante é que sejam excelentes em virtude e conhecimento.


Em Aristóteles muitos elementos se repetem: a conexão essencial com a ética é um deles; o fim último do modelo político determinará o que ele é, se virtuoso ou corrompido, o bem como torna-se elemento fundamental das três formas de governo possíveis, a saber, Monarquia, Aristocracia e Politia. Apresentando algumas críticas ao modelo platônico, a saber, de hierarquizar demasiadamente a sociedade; de separar as crianças da família; e de não se referir a amizade como elemento subjetivo essencial da vida social, Aristóteles busca promover algumas modificações.


Os medievais, por sua vez, trazem à tona o conceito de vontade como essencial para pensar a política uma vez que somos seres de liberdade e que ter o conhecimento do certo, do bem e do justo não é garantia de que ajamos assim. A luta das vontades, da carne e do espírito, do amor de Deus ou do amor de si mesmo (egoísmo) seria o território conflituoso em que a política deveria se constituir.


A filosofia política na modernidade sofre uma profunda mudança, o realismo surge como elemento determinante e o republicanismo ganha, na modernidade, novos contornos. As características principais herdadas do renascimento são o autogoverno, a participação política e a igualdade perante a lei.


Em Maquiavel (1459 - 1527), foi realizada a guinada realista em suas duas obras principais, O Príncipe e Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio, no qual realiza, no primeiro, uma análise dos principados e, no segundo, das repúblicas. Seu objetivo é determinar as possibilidades e limites dos modelos, o uso das leis e das armas como ferramentas para a manutenção do Estado e do governo.


Os seres humanos para Maquiavel são ingratos, simuladores, volúveis, covardes, ambiciosos pérfidos e interesseiros, essas suas tendências e não se pode ignorá-las quando devemos pensar a política. A natureza criou o homem com a pulsão insaciável de tudo possuir e ao mesmo tempo a impotência para tudo atingir, o que torna o ser humano ambicioso e insatisfeito, as leis devem ser um contrapeso que freia impulsos destrutivos visando guiá-los ao bem comum.


Quando as leis não são mais suficientes para barrar a corrupção deve-se usar as armas e a violência, cai-se no momento pré-jurídico, fora da legalidade e moralidade. Isto quer dizer que o príncipe não pode pressupor bondade ou deixar de agir com força se necessário, ser temido é mais importante do que ser amado. As leis são próprias do ser humano e por isso uma fermenta importante, no entanto, a força é a ferramenta do meio animal e por isso também deve ser utilizada quando necessário, quando a lei não consegue dar conta dos desafios.


As antigas virtudes principescas: probidade liberalidade, piedade, lealdade são abandonadas uma vez que a lógica política possui princípios e valores distintos. A preservação da ordem pública e do bem comum são dependentes da manutenção do poder, por isso há uma certa carta branca ao príncipe, nada pior que a diluição do poder e do Estado.


Com isso, temos em Maquiavel não só um rearranjo do que é a república e o principado, mas também de quais valores o Príncipe deve possuir. Dois conceitos são essências para se compreender o pensamento de Maquiavel, a saber, Virtù e Fortuna. O primeiro se refere a capacidade de ação, de reagir e de interferir na causalidade histórica, o detentor de virtù deve ter um sentido de realidade, a compreensão das circunstância, a habilidade de avaliação do momento, e adaptar-se a eles, se necessário, adotar medidas extraordinárias; o segundo ao reconhecimento de certa aleatoriedade de eventos que podem tanto nos beneficiar como prejudicar, o que em parte depende de nossa capacidade, nossa virtù. Não há na política regras atemporais, a priori. Não há, assim, um destino determinado pela natureza um por alguma divindade.


Em seu texto Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio, Maquiavel se ocupa de pensar como pode uma república sobreviver se há organizações de principados com grande potência territorial e exércitos centralizados em suas fronteiras. Como manter a liberdade republicana, a independência frente as potencias estrangeiras, a autonomia da elaboração e execução das leis? Primeira parte do texto versa sobre como se deu a substituição do regime monárquico pelo republicano em Roma. Qual foi o papel da criação das instituições, do poderio militar e da sustentação da liberdade já conquistada?


O método empreendido por Maquiavel que caracteriza sua filosofia política é o estudo de exemplos históricos, olhando para o passado poderíamos entender melhor as paixões e desejos humanos, bem como o que deu ou não certo na manutenção do governo e do poder no decorrer da história. Isto realça o interesse prático dos relatos históricos com a finalidade de bolar uma estratégia ou curso de ação.


Maquiavel percebe então que a justeza de um ato político não deve ser pautada pela moral, o ato político não é bom em si mesmo, mas dependendo de seu resultado. Como exemplo se utiliza do mito de fundação de Roma, Rômulo seu fundador mata seu próprio irmão, tal ato não é censurado por Maquiavel, pois não visou uma ambição pessoal, mas sim uma centralização de poder necessária para fundar Roma. “Os fins justificam os meios” frase jamais dita por Maquiavel, mas que sintetiza sua defesa dos critérios políticos acima dos morais.


A vida civil para Maquiavel, ao contrário dos antigos, era marcada não pela concórdia e unidade, mas sim pelo conflito. A natureza humana se constitui de dois tipos de humores, o dos grandes que querem dominar e mandar e do povo que não quer ser comandado nem oprimido, estes dois desejos complementares. Se um dos humores domina o corpo político há seu adoecimento. Um meio termo entre eles é o caminho que a república deve seguir, a saúde do corpo político, em analogia com a do corpo da medicina da época, é o equilíbrio dos humores. Deve se produzir mecanismos capazes de equilibrar os desejos.


O desequilíbrio desses humores joga a república ou principado no conflito, uma vez que a política não consiga resolvê-lo ele se desdobará em violência. O espaço para o contraditório surgir é uma necessidade política, bem como os mecanismo para resolução dos conflitos.



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