Introdução à Ética
- Rodrigo R de Carvalho
- 6 de jul. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 19 de fev.
Iniciando nosso curso de ética se faz necessário primeiro definir o que é Ética, para somente depois avançarmos para o motivos de termos de seguir uma ética, suas diversas
teorias, seus fundamentos e justificações e qual critério para adotar uma ética e não outra. De Acordo com o dicionário de filosofia de Abbagnano a Ética é entendida como “ciência da conduta”
Há duas grandes vertentes da Ética que acabam por englobar quase todas as suas teorias e correntes: a primeira é a Ética do fim, nesta temos uma dedução a partir da natureza do ser humano dos fins a que ele deve se submeter e dos meios para alcançar tal finalidade. A marca essencial desta ética é a investigação sobre a natureza humana e a finalidade desta natureza, tal concepção é teleológica na medida que acredita em uma destinação; a segunda é a Ética da motivação, nesta temos uma ciência da conduta focada na intenção do ser humano que age.
“A primeira fala a língua do ideal para o qual o homem se dirige por sua natureza e, por
conseguinte, da "natureza", "essência" ou "substância" do homem. Já a segunda fala dos
"motivos" ou "causas" da conduta humana, ou das "forças" que a determinam, pretendendo ater-se ao conhecimento dos fatos.” (ABBAGNANO)
TRADIÇÃO ÉTICAS DO FIM
A Ética de Platão, por exemplo, é da primeira tradição, aquela ética do fim, uma Ética ideal das virtudes como funções da alma, tal ética é determinada pela natureza da alma e suas divisões em partes. “O paralelismo entre as partes do Estado e as partes da alma permite a Platão determinar e definir as virtudes particulares, bem como a virtude que compreende todas elas: a justiça como cumprimento de cada parte à sua função” (ABBAGNANO)
Platão apresenta também uma concepção Ética, ainda dentro da linha da Ética do fim, que será seguida por Aristóteles chamada de eudaimonica, isto é, que tem como fim, finalidade, o Bem, a felicidade, prazer e inteligência se mistura nessa tradição Ética. “Aristóteles determina o propósito da conduta humana (a felicidade), a partir da natureza racional do homem (Et. nic, I, 7), e depois determina as virtudes que são condição da felicidade.” (ABBAGNANO)
Os modelos Éticos estóico, neoplatônicos e cristão seguem esta mesma linha: “É. dos estóicos, com a sua máxima fundamental de "viver segundo a razão", deduz as normas de conduta da natureza racional e perfeita da realidade (J, STOBEO, Ecl., II, 76, 3; DIÓG. L, VII, 87). 0 misticismo neoplatônico colocou como propósito da conduta humana o retorno do homem ao seu princípio criador e sua integração com ele. Segundo Plotino, esse retorno é "o fim da viagem" do homem, é o afastamento de todas as coisas exteriores, "a fuga de um só para um só", ou seja, do homem em seu isolamento para a Unidade divina.”
Na modernidade Hegel defendeu que a Ética, ou melhor a eticidade seria a integração e perfeição do Estado, sendo assim a Ética deveria ser uma Filosofia do Direito, a moralidade por sua vez seria a intenção ou vontade de se realizar o que se encontra já realizado na eticidade.
Como podemos observar, temos uma concepção de natureza humana e dela derivamos uma finalidade ou destinação, em seguida os métodos para alcançar este destino, no caso de Aristóteles a felicidade, dos estoicos a tranquilidade da alma, dos neoplatônicos e cristão(Tomasiana) a reconexão e comunhão com Deus e de Hegel a introjeção por parte dos indivíduos da eticidade presente no Estado.
TRADIÇÃO ÉTICA DOS VALORES, MOTIVOS OU INTENÇÕES
Nesta concepção temos o termo Valor entrando em cena e substituindo o de Bem. Nessa tradição temos duas ramificações: A primeira pode ser chamada de Ética dos valores objetivos, pois defende que os valores possuem uma realidade ontológica (tal como as ideias platônicas), também há uma hierarquia entre os valores o que permite fugir do relativismo constituindo uma Ética como ciência; a segunda subjetivamente como intenção ou motivação.
No primeiro modelo (Scheler e Hartmann) temos o sentimento com instância fundamental a valoração, ela que irá captar os diversos valores que serão fundamentos das ações morais. No entanto, apesar da sensibilidade ser a instância receptora dos valores eles são reais, existem por si mesmo fora da subjetividade humana., nesta instância objetiva eles estão organizados hierarquicamente. Scheler diz: "De fato, podemos sentir os valores, mesmo os morais, na compreensão dos outros, sem que eles se transformem em objeto de aspiração ou sejam imanentes a uma aspiração. De modo semelhante, podemos preferir ou pospor um valor a outro, sem com isso optar entre aspirações voltadas para esses valores. Todos os valores podem ser dados e preferidos sem nenhuma aspiração.
“Em outros termos, a Ética. não se funda na noção de bem nem na de fins imediatamente
presentes à aspiração ou em propósitos deliberadamente almejados, mas na intuição emotiva, imediata e infalível dos valores e das suas relações hierárquicas; intuição é base de qualquer aspiração, desejo e deliberação voluntária.” (ABBAGNANO)
“Essa também é a crença de Nietzsche. Só que, para Nietzsche, essa hierarquia é diferente: é a hierarquia dos valores vitais, dos valores em que se encarna a Vontade de Poder”
A única mudança na Ética de Nietzsche é sobre o arranjo dos valores, ele pretende propor novas virtudes, para ele: É virtude toda paixão que diz sim à vida e ao mundo: "a altivez, a alegria e a saúde; o amor sexual, a inimizade e a guerra; a veneração, as belas aptidões, as boas maneiras, a vontade forte, a disciplina da intelectualidade superior, a vontade de potência, o reconhecimento para com a terra e para com a vida: tudo o que é rico e quer dar, quer recompensar a vida, dourá-la, eternizá-la e divinizá-la”
No segundo modelo Ético do tronco dos Valores, Motivos e Intenções, temos o Bem definido não pela realidade, mas pela vontade humana. O Bem não será instituído conforme uma ideal, mas sim uma norma da vontade humana. “O princípio da Ética de Epicuro tem o mesmo significado de reconhecimento daquilo que, de fato, é o móvel da conduta humana:
"Prazer e dor são as duas afeições que se encontram em todo animal, uma favorável e outra contrária, através das quais se julga o que se deve escolher e o que se deve evitar" (DIÓG. L, X, 34)
Com rigor e sistematização, Hobbes via nesse mesmo princípio o fundamento da moral e do direito: "O principal dos bens é a autoconservação. Com efeito, a natureza proveu a que todos desejem o próprio bem, mas para que possam ser capazes disso é necessário que desejem a vida, a saúde e a maior segurança possível dessas coisas para o futuro.” (ABBAGNANO)
Chegando à modernidade tardia temos a tradição inglesa conhecida como sentimentalista, que defenderam uma ética das motivações contra a Ética do Fim, sua peculiaridade é que via nessa oposição um conflito entre um fundamento Ético na razão ou no sentimento.
“Shaftesbury falou de um sentido moral, que é uma espécie de instinto natural ou divino, especificação no homem do princípio de harmonia que regula o universo (Características de homens, maneiras, opiniões e tempos, 1711). Já Hutchinson interpretava o sentido moral como tendência a realizar "a maior felicidade possível do maior número possível de homens.” (ABBAGNANO)
“Para Hume, o sentimento de humanidade, ou seja, a tendência a ter prazer pela felicidade do próximo, é o fundamento da moral, o móvel fundamental da conduta humana. Alguns anos mais tarde, Adam Smith chamará de simpatia esse sentimento do espectador imparcial que olha e julga a sua conduta e a dos outros (lhe Theory of Moral Sentiments, 1759, III, 1).” (ABBAGNANO)
Immanuel Kant, por sua vez, ainda que se encontre inserido na doutrina do móbil da conduta ou ação, ele a modifica transferindo o móbil da conduta do sentimento para a razão. Os conceitos de bem e mal para Kant, somente se constituem depois da lei moral encontrada na razão.
“Desse modo, Kant transferiu o móvel da conduta do "sentimento" para a "razão", utilizando o outro lado do dilema proposto pelos moralistas ingleses, em vista dessa exigência, a Ética kantiana sem dúvida compartilha com a concepção (1) da É. a preocupação básica de ancorar a norma de conduta na substância racional do homem. Mas, deixando de lado essa preocupação absolutista [...] a Ética de Kant tem grande afinidade com a Ética dos moralistas ingleses do séc. XVIII, não só na formulação fundamental como também nos resultados. Se o sentimento, ao qual recorriam os moralistas ingleses, era a tendência à felicidade do próximo, a razão, à qual Kant recorre, é a exigência de agir segundo princípios que os outros podem adotar.” (ABBAGNANO)
“O que ambas pretendem sugerir como princípio ou móvel da conduta é o reconhecimento da existência de outros homens (ou,como queria Kant, de outros seres racionais") e a exigência de comportar-se em face deles com base nesse reconhecimento. O imperativo kantiano de tratar a humanidade, tanto na primeira pessoa quanto na pessoa do próximo, sempre como fim e nunca como meio, não passa de outra expressão dessa mesma exigência, que os moralistas ingleses chamavam de "sentido moral" ou "sentido de humanidade.” (ABBAGNANO)
Como podemos perceber existem diversas teorias éticas, éticas da virtude pautadas por uma finalidade, éticas dos valores e do dever pautadas por motivações, éticas consequencialistas (utilitarismo) pautadas pelo máximo ganho possível dado o contexto e relativismos éticos. Dentro dessas há uma diversidade de compreensão da natureza humana, de sua finalidade e destinação e dos métodos para alcançá-la, há também uma diversidade de valores e suas hierarquias, de sentimentos e de critérios para avaliá-los. Neste curso veremos alguns exemplos desses modelos, nosso intuito é tão somente conscientizar sobre a necessidade de se estabelecer critérios claros e perceber suas consequências na conduta humana
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