Sócrates e a descoberta da moral
- Rodrigo R de Carvalho
- 23 de fev.
- 5 min de leitura
Na última aula iniciamos o curso de ética tentando voltar nosso olhar para os possíveis fundamentos de uma ação que julgamos boa ou má. Vimos que tais fundamentos são muito diversos e que cada um deles tem como consequência um sistema de justificação da ação. Vimos também que a ética se organiza em dois grandes troncos, aquele caracterizado pela ética da finalidade ou do fim, e aquele caracterizado como ética do móbil ou da motivação.
Para começarmos o estudo das teorias éticas vale retornar na história ao seu nascimento, aquele que foi o primeiro a tematizar a ética como ciência da conduta humana. Apesar de os mitos que antecedem o nascimento da filosofia já terem tematizado a ética, somente na assim chamada segunda navegação que ela se torna uma disciplina, um ramo de investigação específico.
Os primeiros filósofos, os assim chamados pré-socráticos, tinham como tema fundamental a natureza, mais precisamente o princípio originário que gerou todas as coisas, suas investigações não tematizaram o ser humano e sua conduta, somente na segunda navegação este tema entra para jamais sair da filosofia, seu precursor foi Sócrates.
Sócrates e os Sofistas
Mais precisamente foi a querela entre Sócrates e os sofistas que fundaram esta reflexão sobre a conduta humana. Para os sofistas o termo paideia é essencial, o ser humano, como ser cultural devia ser educado, em sua opinião tal educação era voltada para sua participação política na pólis, por isso ele devia apreender a arte do convencimento, a retórica. O problema é que nesta educação a verdade não era tematizada, não importava a Verdade com “V” maiúsculo, mas sim a sua verdade, a verdade daquele que argumentava e sua capacidade de convencer.
O que é importante ressaltar é que nesta democracia o cidadão podia ir à praça pública criticar absolutamente tudo, os valores vigentes, os governos, a educação, foi um momento especial de florescimento da liberdade de circulação de ideias. No entanto, Sócrates notou que os sofistas confundiam sabedoria com poder e assim chamavam de virtude esta arte da persuasão e sedução, não tinham por isso uma ética, pois permaneciam no reino empírico e num relativismo moral.
Em diversos diálogos platônicos, Sócrates aparece como personagem que busca uma definição das virtudes tarefa que se mostra extremamente difícil, no entanto ele consegue ao menos demonstrar os principais erros e armadilhas que caímos ao tentar realizar tais definições. Eutífron por exemplo Sócrates busca com este definir a piedade e descobrir se uma ação moralmente boa é boa porque corresponde a vontade dos deuses ou é boa em si mesmo, e por isso agrada os deuses. Apesar de ser um diálogo aporético ele já revela uma tentativa de ciência da moral.
Tal busca nos conduz ao conceito de alma de Sócrates, que pela primeira vez quebra a compreensão arcaica de determinismo cósmico e revela uma dimensão humana de tomada de decisão. Por essa dimensão humana chamada alma ser o lugar da tomada de decisão, do controle de desejos e sentimentos tal conceito ganham não somente em Sócrates, mas também em Platão um significado moral.
Éticas do Fim
Para Sócrates a Aretê, a destinação da alma humana é ser Bela, Boa e Sadia, para que isso seja possível devemos seguir a famosa frase "conhece-te a ti mesmo”, buscar o autorecolhimento, o autocontrole e o autoaperfeiçoamento, isto é, o conhecimento racional das realidades do mundo moral. Sócrates, como faria Platão e Aristóteles, identificou virtude com felicidade (Eudaimonia), não faz uma doutrina, mas funda a ética na medida em que é o primeiro ocidental a tematizar a conduta humana de maneira universal, como destinação ao um fim que seja especificamente seu como ser de vontade.
As intuições morais de Sócrates defendem que a Eudaimonia, felicidade como bem supremo é satisfazer nossa natureza o agir perfeito seria justamente seguir a destinação que nossa natureza nos comanda, isso teria como consequência a felicidade. Apesar de isto não constituir ainda uma ciência moral, um sistema, ele propõe algo que se torna o principal pilar de toda ética Antiga, em especial a Helênica.
“O bem é agir bem e a conquista da felicidade é não falhar na vida." O agir bem se caracteriza pela busca do conhecimento moral, e através dele do aperfeiçoamento da alma, não fazer isto, permanecer na ignorância seria falhar na destinação que a natureza nos indicou. Ser feliz porque se vive bem é a base seminal tanto do Epicurismo quando do Estoicismo. (Bem= Felicidade=Virtude= Conhecimento)
A felicidade é posta ao alcance da mão, pois teríamos a capacidade de distinguir a virtude do vício uma vez que é autoevidente a todos que um ataque de cólera, por exemplo, uma vez que tira o ser humano de si, produz inimigos, e não traz benefícios jamais pode ser compreendido como virtude.
Intelectualismo ético
Apesar do intelectualismo socrático, da relação entre a virtude e o conhecimento, a ética proposta por Sócrates é absolutamente intramundana, isto é, ela serve de base para sermos felizes aqui neste mundo que habitamos - está é uma das principais diferenças com o pensamento Platônico - desta visão intramundana os helênicos são os principais herdeiros.
O conhecimento e o discernimento racional seriam as marcas distintivas dos seres humanos, por isso as coisas exteriores não poderiam ser componentes da felicidade, esta deveria advir de bens da alma, o conhecimento é o maior bem que alma pode alcançar e quando este se torna uma ação ele se chama virtude. Por isto, para Sócrates, é impossível fazer o bem, o certo sem ter o conhecimento do que seria o bem. Sendo a virtude do músico o conhecimento e a técnica de execução musical, a do médico o conhecimento e a técnica de cuidado e cura por analogia a virtude do ser humano em geral seria seguir sua natureza racional, sua virtude tem de ser o agir bem.
Paradoxo da ética socrática
Este foi talvez o ponto mais atacado das intuições morais de Sócrates, para ele, o homem nunca deseja o mal, nunca quer realizar o mal, mas apenas desconhece o que é o bem, toda o mal seria fruto desse desconhecimento, desta ignorância, por este motivo sua ética é intelectualista, pois para ele a busca do conhecimento é condição necessária e suficiente, isto é, sem conhecimento não se poderia agir bem, e uma vez que você o tenha seria impossível deseja r e fazer o mal. O erro de Sócrates foi o de não separar saber e querer usar este saber, o que causou um reducionismo da moral ao conhecimento, pois, deste modo, todo erro moral por ser fruto da ignorância seria involuntário.
Com isso, teríamos as duas grandes intuições de Sócrates, a dignidade racional do ser humano e a racionalidade essencial da ação boa. Diante disso a ignorância é o grande obstáculo tanto à virtude quanto a felicidade.
Bibliografia
MARITAIN Jacques. A filosofia moral .Rio de Janeiro. Agir, 1973
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