Filosofia Moral Cristã
- Rodrigo R de Carvalho
- há 12 minutos
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O contexto de surgimento da moral Cristã era marcado pela era das sabedorias. A sabedoria da Índia, a sabedoria grega e a Sabedoria do Antigo Testamento. A sabedoria da Índia era marcada por um aperfeiçoamento espiritual em busca da santidade, o sobrenatural aqui é uma evolução da própria natureza, ao trilhar o ascético caminho místico o ser humano se afasta das ilusões e da causalidade, se esvazia do pensamento particular experimentando de maneira mais intuitiva a alma, o Eu. O objetivo é juntar-se ao Absoluto num movimento de dissolução da identidade particular, o nirvana seria esse dissolver-se no todo, no uno, em Deus.
Já na sabedoria Grega, se mergulha na sabedoria da razão humana, aquela que busca explicar o cosmos, o ser humano, o conhecimento. Aqui se deixa de lado a salvação, a santidade e a eternidade. É verdade que essa ainda não é a racionalidade moderna, laica e às vezes ateia, mas uma racionalidade em conexão com a religião grega, mas certamente não submetida a ela. No que concerne à ética, a sabedoria grega produziu um conhecimento racional prático útil para entender e dirigir o comportamento humano, seja via ascese do prazer, ascese da virtude ou eudaimonismo da justa medida.
Por fim, a sabedoria hebraica do velho testamento, aqui retornamos a uma sabedoria da salvação, da santidade e da vida eterna. Apesar de retornar a este mote hindu da salvação, no judaísmo essa salvação não depende única e exclusivamente de você de seu esforço ascético de elevar-se se sua particularidade de dissolver se na imensidão do uno do absoluto. Aqui você precisa se entregar, aqui acontece um diálogo entre a eterna personalidade divina e o ser humano, cada pessoa criada. “Não é o humano que conquista a salvação, é Deus que a concede.”. A sabedoria do Evangelho relata que o amor transborda de Deus para o mundo e para as criaturas.
Eis que o mundo antigo ocidental será marcado pelo conflito dessas duas últimas, a sabedoria humana grega da razão e a sabedoria religiosa judaica, o papel e a tarefa do Cristianismo será tentar sintetizar e juntar essas duas sabedorias, uma teológica e a outra filosófica. Assim irá se construiu um Heroísmo moral muito diferente daqueles anteriores, seu foco não será o atletismo da concentração mística dos Hindus, nem mesmo o atletismo da virtude estóico, mas da busca da força de um Outro, que semeou dentro de nós o amor necessário para a superação de todos os obstáculos, que converte nossas fraquezas em força.
O Fim último da ética cristã
Nas éticas gregas anteriores ao surgimento do cristianismo vemos que a finalidade do ser humano era a eudaimonia, a felicidade, ainda que cada filósofo apontasse um objeto e um caminho diverso para essa felicidade. No caso do Cristianismo a felicidade humana só pode ser alcançada em Deus. Nesse aspecto o cristianismo é platônico ao apontar que a felicidade é algo transcendente, não pertence e não pode ser alcançada, ao menos não de maneira completa, aqui neste mundo. No entanto, podemos dizer que vai mais longe que Platão ao afirmar que esse Deus Pessoal, Bem infinito, suma bondade e sumo amor é o único que pode saciar nosso apetite por felicidade. De agora em diante a Felicidade se torna Bem-Aventurança.
A possibilidade de alcançar a felicidade absoluta não está garantida pela razão e pela filosofia, mas apenas pela fé cristã. Através dela dois problemas fundamentais do ser humano serão respondidos, a inaceitabilidade da morte, que se resolve na vida eterna e a impossibilidade da felicidade plena aqui neste mundo, que se resolve com a Bem-aventurança garantida por Deus no outro mundo. Assim, a beatitude, essa vida feliz, plena e satisfatória buscada por todos os seres humanos, inclusive os que não creem, encontram um ponto de apoio única e exclusivamente na Fé Cristã.
Se na ética grega se acompanha um longo processo de diferenciação e articulação entre os conceitos fundamentais da ética, Conhecimento, virtude, Liberdade, Bem e Felicidade, temos agora a última diferenciação fundamental, Bem não é a mesma coisa que felicidade, o sumo Bem Deus, é a origem da retidão moral, de nossa possibilidade de romper as amarras da animalidade, mas isso depende de um profundo amor ao Bem, a Deus. A felicidade é uma consequência da retidão moral vinda do amor ao Bem.
Isto se expressa na ética Cristão na relação entre o Fim último Absoluto e o Fim último subjetivo. O primeiro é o próprio Deus em sua bondade e amabilidade infinitas; o segundo, é a visão de Deus que o ser humano pode contemplar ao buscar sua essência. Esses dois fins articulam-se mutuamente na medida em que o amor divino irradia nas ações do ser humano, isso produz amor e alegria na alma humana, seria como se o humano estivesse unido e por isso participando da alegria e amor divinos.
A grande vantagem deste processo é o fato de que o que começa em um amor de si egoísta, com o tempo, sincroniza com o amor de Deus desinteressado, a fé pode levar o maior dos pecadores ao sumo Bem. Sendo assim a Felicidade é uma consequência do amor ao Bem, ele que deve ser buscado, ele que realiza a essência do Ser humano.
Tábua das Virtudes Cristãs
O cristianismo de São Paulo irá adicionar as assim chamadas virtudes teologais que estarão acima das virtudes morais dos filósofos e até das virtudes cardeais. Tais virtudes teologais são fruto do vínculo direito com o Deus transcendente, acontecem pela forte união entre a alma humana e a vontade divina, será por isso chamada de Graça. Fé, Esperança e Amor à Deus nunca podem ser em excesso ou deficiência como pensava Aristóteles, por isso, elas não são desejadas, sugeridas, mas são exigidas. Tais virtudes têm o poder de produzir virtudes morais sobrenaturais, superiores aquelas enumeradas por Aristóteles. A amizade, por exemplo, virtude natural, quando infundida pela Graça divina, se transforma em Caridade. Na caridade se supera a relação pessoal, particular e interessada entre indivíduos e as benfeitorias são estendidas a desconhecidos, Na caridade vemos o outro como Deus o vê com pura fraternidade e amor.
A graça, a misericórdia e o amor divino que ameniza e cura as fragilidades humanas, é no momento de maior falta, do mais grave pecado que Deus vem ao socorre, por isso ele completa a justiça com a misericórdia, por isso a piedade vem em socorro daquele que não cumpre a lei. A liberdade humana não é ato independente, autônomo, puro de racionalidade, é ato vivificado pelo amor de Deus. A potencialidades humanas não tem como ponto máximo, como no mundo grego, a contemplação do conhecimento o desenvolvimento do intelecto, mas a abertura do coração humano para o Amor, amor este que vai frutificar e potencializar cada uma das suas virtudes, amor este que vai mitigar cada uma das suas faltas, amor este que vai curar todos os seus pecados.
O ideal cristão parece ainda mais irrealizável que o estóico, o epicurista e o aristotélico, isso se levarmos em conta a natureza humana, suas forças, suas enfermidades, sua propensão ao mal, isto é verdade, mas somente para aquele que não tem Fé, pois aquele que está convertido, sabe que o ser humano não está sozinho nessa missão, aliás, nunca esteve, a graça está nele e o ajudará nesta missão, mesmo com todos os tropeços que se colocarem no caminho.
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