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Aristóteles: Ética

O Bem e a Felicidade


A ética de Aristóteles é mais uma na corrente das éticas Eudaimonicas, éticas da felicidade, sendo assim o tema será como podemos fazer para conquistar a felicidade, qual deve ser nossa conduta. Como vimos em Sócrates e também nos helênicos tudo depende de partir da natureza e fazer uso da razão. Nossa natureza para Aristóteles, o que nos define, caracteriza também nossa finalidade.

Para ele, está claro que a finalidade de toda a humanidade é viver de modo bem-aventurado e Belo, essa seria a realização perfeita da humanidade, por oposição, a imperfeição seria viver escravo das inclinações e sentimentos. Sendo todos nós entes racionais, o objetivo destes entes é o Bem, a realização deste bem seria a felicidade. Para Aristóteles tendemos naturalmente a este bem, à felicidade, refletindo através da filosofia moral ou não buscamos essa realização, buscamos fazer o bem e evitar o mal, pois como ser racional que é, sua natureza o obriga a reconhecer a superioridade do bem contra o mal.

Uma primeira distinção que deve ser marcada com o modelo platônico é que esta busca pelo Bem, como vimos, acaba por apontar sempre para o outro mundo em Platão, este mundo nunca pode realizar a plenitude da felicidade. Aristóteles já se encontra mais próximo de Sócrates e dos helênicos neste aspecto, pois defende um conceito de felicidade imanente, e não transcendente como o platônico, a felicidade é encontrada e realizada neste mundo, aqui e agora.

A ferramenta para alcançar esta felicidade é a mesma em todos eles, a razão, o uso da razão, do intelecto m permite realizar uma vida pautada pelo bem. A felicidade para um animal é a busca constante pelo prazer. O ser humano, distinguindo-se do animal, possui como a sua principal característica a racionalidade (Aristóteles definiu o homem como, acima de tudo, um animal racional). Portanto, o que produzirá a verdadeira felicidade na vida do homem é o uso da racionalidade como parâmetro para o comportamento.

Contra Sócrates, não há identificação entre virtude e felicidade, pois para Aristóteles a virtude, a arte do bem viver, é o meio pelo qual atingimos a felicidade, um componente da felicidade, mas que não se identifica com ela. O ato virtuoso tem como outra face a felicidade, no entanto, está só vem com o tempo, após a prática da virtude se tornar um hábito. Para alcançar a felicidade três coisas são necessárias: sabedoria; virtude e prazer.


Felicidade: sabedoria, virtude e prazer


Estes três elementos são hierarquizados entre si, sendo a sabedoria o mais elevado dos três, pois significa a verdade contemplada pelo espírito, uma atividade de repouso e fruição. Aristóteles defende a união de contemplação e ação, no entanto, há também uma hierarquia entre elas, sendo a contemplação superior, pois a vida perfeita é teórica, uma vida do conhecimento, por este motivo a sabedoria se encontra em vantagem frente a virtude.

A virtude, segunda na hierarquia, seria a realização plena da natureza humana, a transformação do conhecimento do bem em ação, sendo assim virtude seria o bem realizado. O terceiro e último, o prazer, é como uma consequência necessária da vida virtuosa, ele é uma recompensa natural um contentamento interior. Os três aqui citados, a saber, sabedoria, virtude e prazer, são interiores a alma, no entanto, há também bens exteriores como a amizade, a saúde, os bens materiais e a fortuna.

O conceito de felicidade aristotélico não se confunde com o hedonismo contemporâneo, pois o prazer é um componente da felicidade, não se identificando com ela, segundo, ocupa a terceira posição na hierarquia, por fim, nasce da virtude como consequência.


O bem imanente


O conceito de bem supremo platônico é imanentizado, tornando-se um composto de matéria e espírito, sentido e inteligência, condicionamento animal e liberdade racional. Assim, o comportamento humano, de acordo com Aristóteles, pode gerar dois resultados distintos e opostos: o vício e a virtude. O comportamento irracional, que segue os impulsos semelhantes aos animais é o comportamento vicioso. Já o comportamento exclusivo do ser humano, que faz com que o sujeito reflita antes de agir, e se torne melhor ao executa-lo é o comportamento virtuoso.

O homem deve seguir o dever, isto é, usar a razão como parâmetro para o comportamento virtuoso, assim, o ser humano precisa identificar que existem dois extremos quando se trata de qualquer manifestação das suas ações: o excesso e a falta. Tanto o excesso quanto a falta são frutos de erro de conduta, isto é, uma má regulação da conduta, uma insensatez que enfeia a vida e nos afasta da felicidade.


A justa medida: virtude como medium entre excesso e deficiência


A virtude é quando alcançamos este medium entre o excesso e a deficiência, um ponto justo regulado racionalmente. A razão, ao observar o fim último, a felicidade, realiza um cálculo e revela qual a conduta virtuosa a se tomar, tal conduta se equilibra entre duas formas de vícios, o vício do excesso e o da deficiência.

O tema é debatido em Ética à Eudemo livro II capítulo III, e Ética à Nicômaco, livro II capítulo VI e VII.:


"A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao mais justo, é, porém, um extremo.

Com respeito à honra e à desonra, o meio-termo é o justo orgulho, o excesso é conhecido como uma espécie de "vaidade oca" e a deficiência como uma humildade indébita.

No que se refere a dar e receber dinheiro o meio-termo é a liberalidade; o excesso e a deficiência, respectivamente, prodigalidade e avareza. Nesta espécie de ações as pessoas excedem e são deficientes de maneiras opostas: o pródigo excede no gastar e é deficiente no receber, enquanto o avaro excede no receber e é deficiente no gastar.

No tocante à cólera também há um excesso, uma falta e um meio-termo. Embora praticamente não tenham nomes, uma vez que chamamos calmo ao homem intermediário, seja o meio-termo também a calma; e dos que se encontram nos extremos, chamemos irascível ao que excede e irritabilidade ao seu vício; e ao que fica aquém da justa medida chamemos pacato, e calma à sua deficiência.

No que toca à verdade, o intermediário é a pessoa verídica e ao meio-termo podemos chamar veracidade, enquanto a simulação que exagera é a jactância e a pessoa que se caracteriza por esse hábito é jactanciosa; e a que subestima é a falsa modéstia, a que corresponde a pessoa falsamente modesta.

O homem que sabe agradar a todos da maneira devida é amável, e o meio-termo é a amabilidade, enquanto o que excede os limites é uma pessoa obsequiosa se não tem nenhum propósito determinado, um lisonjeiro se visa ao seu interesse próprio, e o homem que peca por deficiência e se mostra sempre desagradável é uma pessoa mal-humorada e rixenta,

[...] o acanhado que se envergonha de tudo; enquanto o que mostra deficiência e não se envergonha de coisa alguma é um despudorado, e a pessoa intermediária é modesta.

A justa indignação é um meio-termo entre a inveja e o despeito, e estas disposições se referem à dor e ao prazer que nos inspiram a boa ou má fortuna de nossos semelhantes. O homem que se caracteriza pela justa indignação confrange-se com a má fortuna imerecida; o invejoso, que o ultrapassa, aflige-se com toda boa fortuna alheia; e o despeitado, longe de se afligir, chega ao ponto de rejubilar-se. "(ARISTÓTELES, Ética à Nicômaco)

Para ilustrar pensem no exemplo: uma criança está se afogando e Joana se lança para salvá-la mesmo sem saber nadar, normalmente avaliaríamos isto como um ato de coragem, contudo diante da noção aristotélica de virtude o ato de joana foi uma imprudência, tendo em vista que ela não sabia nadar. A razão teria dito a ela, caso consultada, que ela deveria procurar por ajuda, pois caso entrasse em socorra da criança poderia morrer junto com ela. Modificando o exemplo pensem no mesmo caso, mas agora João é quem vê a criança se afogar, ele sabe nadar, mas teme por sua vida. Neste caso temos a covardia e não a imprudência, em ambos os casos os personagens foram determinados por seus sentimentos, piedade de Joana, medo de João, em ambos os caso a razão teria lhes indicado a coragem como justa medida, no caso de Joana de não se lançar em ajuda, tendo em vista sua limitação, e no caso de João passar por cima do medo e ter a coragem de se lançar em socorro da criança, tendo em vista que tinha as condições para isso.

Diferente do determinismo cósmico de Ésquilo que coloca a culpa dos acontecimentos e da ações humanas aos deuses, diferente daqueles que diziam que a normal de conduta vinha dos deuses, Aristóteles é neste aspectos extremamente secular, pois o Bem é uma exigência da natureza humana como ser racional. No entanto, não é um "tu deves" como será em Kant, mas sim um “este é o caminho da felicidade". Aristóteles também se diferencia de Sócrates ao distinguir felicidade de virtude, e se distingui de Platão pelo mesmo motivo e por compreender que a felicidade é imanente.


Sócrates temos a identificação: Bem = Virtude = conhecimento, tudo imanente.


Helênicos temos a identificação: Razão = Virtude = Felicidade, tudo imanente.


Platão temos a identificação: Virtude = Conhecimento, mas o Bem é transcendente.


Aristóteles temos: virtude como uso prático da razão para alcançar a Felicidade, entendida como Bem imanente.


MARITAIN Jacques. A filosofia moral .Rio de Janeiro. Agir, 1973.

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